Nem sempre a gente acorda a “Mulher-Maravilha” (ainda mais, em época de pandemia). E aí, como fazer para levantar o ânimo? Aliás, existe
a obrigação de manter sempre o alto astral?
Foto: Arquivo Harper’s Bazaar
Aviso: vou revelar aqui uma história bem íntima. Só farei isso porque essa confissão pode refletir e inspirar outras mulheres. Talvez até você
mesma ou uma conhecida sua podem estar passando por uma situação parecida, ainda mais, nessa pandemia tão estendida.
Mudança de rota súbita, resolvi tratar nesta semana sobre falta de libido feminina. Uma guinada de 180 graus para quem havia se programado
escrever sobre uma novíssima plataforma de filmes soft porn. Ando “meio jururu” e seria falso demais avaliar filminhos nesse “bad mood”. Melhor
deixar a novidade para a próxima semana 😉
Sabe quando a gente passa por aquelas semanas turbulentas? Pois é… Uma série de questões pessoais, entre elas, uma internação e a descoberta de
um mioma de 5,5 centímetros na parte externa do meu útero, enfim, um tumorzão benigno que me levará a uma histerectomia – a cirurgia para a
retirada do, como chamam nos livros, órgão reprodutivo feminino.
Esse procedimento me broxou. Fiquei pensando sobre o útero e a feminilidade. Nunca o usei, na verdade, sempre tive pânico de um dia precisar
usá-lo e, por isso, passei mais de uma década na base da pílula contínua. De fichas médicas até reuniões com novos amigos, a sequência de
perguntas sempre se repete: Qual seu estado civil? Solteira. Aos 46 anos, nunca se casou? Não sei exatamente o que chamam de casamento, pela
quarta vez na vida, vivo um namoro em que dividimos o mesmo teto. Nunca nem tentou ter filhos? Não e, por mim, colocaria a placa “Perigo:
Lotação Esgotada” neste planeta com mais de 7,5 bilhões de pessoas. Mas amo muito os filhos dos outros, especialmente, minhas sobrinhas e meu
sobrinho (sacanagem da língua portuguesa generalizar “sobrinhos”, no masculino, para uma relação de três meninas para um menino).
Acreditem, mas já ouvi discursos com base em lógicas enviesadas de que por causa das minhas escolhas – não casar nem ter filhos – eu
teria deixado de exercer meu papel feminino no mundo, além de revelar “indícios de homossexualidade”. Uai, mas para ser mulher
precisa trocar alianças com um homem, engravidar e criar essa criança? E por que mulher que transa com mulher não seria mulher?
Discordo completamente! Para mim, basta você se identificar com o gênero feminino e pronto.
Há mulheres com pênis. Eu, uma cis, vim com vagina e clitóris. E se precisasse apontar um órgão no meu corpo para representar minha
feminilidade, escolheria essa dupla dinâmica. Mas confesso que rola um luto por retirar o útero. Sei lá, a notícia soou como um revés de um
parto. Nunca usei o órgão – como disse acima, tinha até medo – mas gostava de tê-lo. Apego.
Só melhorei depois de me consultar com o médico pela terceira vez. Primeiro, ele me explicou que a histerectomia é a segunda cirurgia mais
realizada no mundo, algo na maior parte dos casos, simples, sem cicatrizes, sem transtornos, com pouco mais de 24 horas de internação. Depois,
que a maior parte de suas pacientes – passados os 40 dias da recuperação – vibram com a substancial melhora da qualidade de vida. É a “extração”
das cólicas terríveis. Acaba também a menstruação, um transtorno (pelo menos, para mim, que me sentia até anêmica), algo infelizmente totalmente
identificado com o feminino. E bônus: a vida sexual, sem os dez dias mensais sob o bombardeio hormonal, costuma dar um belo up.
Marquei o procedimento para início de outubro e cá estou hoje, à espera do meu “parto”: parir essa nova vida sem cólicas. Daí fui reler as
últimas colunas, alguns comentários nas redes sociais e percebi como eu festejava a libido. Brinquedinhos, fantasias, gelzinhos, filminhos,
tantra… Mas e quando a gente simplesmente não está afim? Dá para colocar a “Mulher Maravilha” para dormir por alguns dias, vestir um pijama,
chorar vendo um dramalhão turco no Netflix e simplesmente quer o colo do namorado?
“As pessoas confundem libido com desejo sexual”, pondera Paulo Tessarioli, presidente da Abrassex (Associação Brasileira dos Profissionais de
Saúde, Educação e Terapia Sexual). “Libido é a energia vital, uma expressão da teoria da afetividade, conceito 0difundido por Freud. Já desejo
sexual está completamente relacionado à mente. O pensamento, por meio da fantasia, desperta a vontade de transar. Já vi pessoas moribundas
querendo sexo. E o contrário, também”, completa.
Ninguém gosta de ficar com energia baixa. Pior: sabemos que pessoas com energia baixa normalmente são repelidas. (Ei, você que curte a década
de 80, lembra daquela hiena Hardy, “oh, vida! oh, azar”? rsrs) Se é um saco ficar ao lado de reclamões, mais chato ainda encarnar esse saudoso
personagem do desenho da Hanna-Barbera, certo?
Ao mesmo tempo, não dá para engolir a tristeza, fantasiar-se com o melhor look e fingir que está “por cima do salto”, enchendo o feed das redes
sociais de sorrisos fake. Dá para detectar de longe a felicidade falsa. Quando vejo uma cena assim, lembro do lema “put a smile on your face”
(coloque um sorriso no rosto, em tradução livre), aquele que talhou o Coringa... #medo
Putz, aí vem o dilema na música “Homem com H”, do Ney Matogrosso: “se correr o bicho pega/se ficar o bicho come”. Então, como sair desse
paradoxo?
“Permita-se passar por isso. Sinta. Se for difícil, procure um profissional para conversar. Mas momentos assim podem ser ricos, bons para
ressignificar. No final do processo, a pessoa pode sair mais forte, com a melhora da libido e do desejo sexual”, diz Tessarioli.
O sexólogo deixou também um vídeo com o depoimento da Claudia Raia, que ele passa em suas aulas. Excelente para a mulherada que também quer
repensar conceitos femininos e levantar o astral:
E você? Já passou por momentos assim? Que tal dividirmos nossas experiências? 😉